Fundeb: entenda o que muda se escolas ligadas a igrejas forem beneficiadas pelo fundo de educação

Atualmente, apenas instituições do ensino público recebem verba do Fundeb. Câmara dos Deputados votou por incluir também entidades comunitárias, filantrópicas e confessionais.

Por G1

No Brasil, existe um fundo, chamado “Fundeb“, que redistribui recursos para a educação básica pública: é um cofre abastecido por impostos municipais e estaduais, com contribuições do governo federal. Para reduzir desigualdades, ele garante um valor mínimo que deve ser investido em cada aluno das escolas de ensino infantil, fundamental e médio, e da educação de jovens e adultos (EJA). É usado principalmente na remuneração de professores.

Na quinta-feira (10), no entanto, a Câmara dos Deputados decidiu que escolas ligadas a igrejas também poderiam ser beneficiadas. A proposta ainda precisa passar pelo Senado.

Abaixo, entenda o que pode mudar caso a mudança seja realmente aprovada:

Por que o Fundeb está em discussão?

Fundeb é a sigla para Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação. Ele existe desde 2007 e só estava garantido até o fim deste ano. Em agosto, o Congresso Nacional aprovou o novo Fundeb, que passou a fazer parte da Constituição Federal – ou seja, não tem mais um prazo de vigência.

Mas faltava uma etapa importante: regulamentar o texto do fundo, para que o dinheiro pudesse ser usado a partir de janeiro de 2021.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Na quinta, a Câmara dos Deputados aprovou este texto-base do projeto de lei. Ele ainda vai ser analisado e votado pelo Senado.

O que diz o texto sobre o benefício a escolas da igreja?

Uma emenda destacou-se: a possibilidade de destinar os recursos do Fundeb para instituições:

  • filantrópicas comunitárias – cooperativas educacionais mantidas por um grupo da comunidade, sem fins lucrativos;
  • confessionais – orientadas por uma equipe ligada a alguma ideologia específica, como escolas em igrejas;
  • profissionalizantes – turmas articuladas à EJA ou ao ensino médio e cursos técnicos integrados a escolas, como os do Sistema S (Senac, Sesi e Senai).

No funcionamento atual, apenas as escolas públicas e a EJA recebem os recursos do Fundeb. Nenhuma das instituições listadas acima é beneficiada. Pela Constituição, elas só receberiam repasses se faltassem vagas no ensino fundamental ou médio – o que não ocorre no momento.

Como o dinheiro seria usado pelas instituições filantrópicas?

Segundo o texto-base aprovado pela Câmara, as instituições filantrópicas, confessionais e profissionalizantes poderiam usar a verba do Fundeb para pagar salários de:

  • professores;
  • profissionais das áreas administrativas;
  • psicólogos e assistentes sociais;
  • terceirizados

Qual o argumento da Câmara para incluir as instituições filantrópicas?

A Câmara afirma que é importante acrescentar as instituições filantrópicas ao Fundeb para “garantir de forma universal a modalidade da educação especial e do campo” e a “educação infantil”.

Segundo o Censo Escolar 2019, 71,4% das matrículas na educação infantil estão na rede municipal, que já eram beneficiadas pelo Fundeb. O fundo, inclusive, é essencial para o funcionamento dessas escolas – representa mais de 80% da verba em 2.022 cidades, segundo levantamento do Laboratório de Dados Educacionais (LDE).

O restante das matrículas está na esfera privada. Do total, apenas 8,2% dos alunos dessa etapa de ensino pertencem a instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas conveniadas.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

O que especialistas pensam sobre a mudança?

Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas no Rio (FGV/RJ), afirma que a nova regra, se passar pelo Senado, vai impactar o caráter distributivo de recursos do Fundeb.

“Reservar recursos para entidades filantrópicas e privadas para além da educação infantil, que é onde já está permitido, tem dois efeitos ruins. Primeiro, vai financiar a iniciativa privada. Não faz sentido tirar recurso das escolas públicas, que já são insuficientes, e dar para outras instituições. Outro ponto é: onde estão essa instituições privadas? A maioria está em municípios mais ricos. Isso faz com que o Fundeb perca um pouco o caráter distributivo que o dinheiro da União traria”, afirma Costin.

Lucas Fernandes Hoogerbrugge, líder de relações governamentais no Todos Pela Educação, vê com preocupação dois pontos do texto: pagar salários de pessoas que não são da educação com recursos do Fundeb e repassar recursos para as entidades filantrópicas e confessionais.

“O número de confessionais e filantrópicas nos municípios mais ricos é 18 vezes maior do que nos municípios mais pobres. Isso é o principal elemento que nos leva à conclusão de que no momento que começar a computar as matrículas [nessas instituições], já começa a tirar recurso dos mais pobres para os mais ricos”, avalia Hoogerbrugge.

Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), criticou a inclusão das entidades filantrópicas no Fundeb.

“Quando você aumenta o número de escolas que podem ser beneficiadas pelo recurso público, que já é pouco, você está prejudicando ainda mais as escolas públicas”, disse.

O especialista em educação afirmou, ainda, que escolas confessionais são, muitas vezes, administradas por ordens religiosas “extremamente ricas”. “Elas já teriam condição de fazer suas atividades filantrópicas sem o apoio do Estado.”https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Em nota, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) também se pronunciou contra o texto aprovado pela Câmara.

“É uma decisão arbitrária e que causa um ‘apartheid educacional’ no país – penaliza os mais pobres, explorados e excluídos da sociedade”, afirma a Ubes.

Sonia Dias, especialista em educação e coordenadora de Implementação Regional do Itaú Social, afirma que “é um ganho” o novo Fundeb ter sido aprovado e a regulamentação passar pela Câmara, mas ainda há detalhes a serem acertados.

“Foi aprovado, é um ganho, e vai agora para o Senado, mas ainda tem as letras miúdas do que precisa entrar no Fundeb e do que precisa ser regulamentado. Quanto mais tempo demora, maior o impacto em nossas crianças”, alerta Dias.

Para ela, a discussão sobre as instituições confessionais e filantrópicas pode ofuscar o debate sobre o custo aluno-qualidade, por exemplo, que está no novo Fundeb e ainda precisa ser detalhado.

G1 busca contato com associações que representam as entidades educacionais filantrópicas e confessionais, mas ainda aguarda retorno.

O que acontece agora?

O texto segue para o Senado. Se não tiver alteração, poderá ser aprovado como está.

Se tiver alteração, volta para a Câmara, que vai analisar as mudanças.

Caso o ano termine sem que o Fundeb seja regulamentado, é possível que uma medida provisória (MP) seja publicada para permitir a operacionalização no início do ano que vem.

A regra atual expira em 31 de dezembro.

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