O exercício físico no combate à Covid-19

A pandemia associada à infecção pelo vírus SARS-CoV-2, causador da síndrome Covid-19 em suas diversas manifestações, tem provocado estímulos às reflexões e aprofundamentos sobre as terapias, hábitos e rotinas como melhor direcionamento ao combate da doença. Diferentes estudos sugerem a obesidade como um dos principais fatores de risco para as formas graves da Covid-19, aumentando as chances de um prognóstico ruim. Consequentemente, a questão sobre o possível papel protetor do exercício físico e da boa forma física no favorecimento direto da resposta imune balanceada surgiu como uma das hipóteses relacionadas aos possíveis bons prognósticos nessa doença.

Leia também: ESC 2020: Diretrizes para exercícios em pacientes com doenças cardiovasculares

Exercício físico pode ajudar no combate à Covid-19

Resposta imune à Covid-19

A imunidade durante o processo infeccioso pelo SARS-CoV-2 depende de fatores genéticos (genes HLA), idade, sexo, estado nutricional e físico, e fatores de risco associados como tabagismo, obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Esses três últimos fatores levam à maior expressão dos receptores ACE2 (utilizado na entrada do SARS-CoV-2) em tecidos como o adiposo, estado pró-inflamatório e à hipercoagulabilidade.

A resposta imune inicial efetiva aos agentes intracelulares, como os vírus, envolve a produção de interferon do tipo I (INF-I) que direciona a ação macrofágica e linfocitária à eliminação da propagação viral. Na Covid-19, observa-se a supressão da resposta IFN-I, com consequente disfunção dos mecanismos iniciais de controle da infecção, infiltrados hiperinflamatórios compostos por neutrófilos, macrófagos e monócitos em tecido pulmonar e um período de cytokine storm (tempestade de citocinas pró-inflamatórias) com linfopenia, assim como alterações em fatores da coagulação e circulatórias, e dispersão viral. Tal processo resulta na lesão do tecido pulmonar infectado com SARS-CoV-2 (ou outros submetidos ao ataque imunológico indireto pela desregulação do sistema imune), e culmina com a síndrome do desconforto respiratório agudo com a evolução à necessidade de oxigenioterapia, ao possível choque séptico, falência múltipla dos órgãos e morte.

Exercícios como prevenção

A prática regular do exercício físico atua como um modulador do sistema imune, de forma a estruturar progressivamente a resposta fisiológica à minimização do dano. Durante a atividade física, uma série de citocinas pró e anti-inflamatórias são liberadas, há incremento na circulação de linfócitos, assim como no recrutamento celular. Tais efeitos levam ao melhor controle da resposta inflamatória, reduzem os hormônios do estresse, e resultam em menor incidência, intensidade de sintomas e mortalidade frente a ocorrência de infecções virais, especialmente as respiratórias.

Diferentes estudos sugerem que o exercício físico regular reduz a mortalidade para pneumonia, incluindo por influenza, e favorece as funções cardiorrespiratórias, resposta vacinal, metabolismo da glicose, lipídeos e insulina. Pesquisadores sugerem que a prática do exercício físico, tanto de forma aguda quanto crônica, apresenta o benefício significativo da modulação da inflamação sistêmica, além de contribuir para controle do peso corporal. Tem-se o conhecimento que o melhor efeito modulatório está relacionado com a maior regularidade, intensidade, tipo e duração do esforço ao longo do tempo.

Sabe-se também que os exercícios físicos de moderada intensidade, realizados ≥ 3 vezes por semana com duração de 45-60 minutos e/ou 50-70% do consumo máximo de oxigênio, estimulam a imunidade celular por meio de aumento da liberação de IL-2, recrutamento de células Natural killer (NK), redução do estresse oxidativo, elevação da concentração de leucócitos (30-120 min após a atividade física persistindo até 24 horas), e estímulo ao IFN-γ e supressão de IL-1β, IL-6, e TNF-α, proporcionando uma melhor imunovigilância. Os exercícios dinâmicos com maior atributo cardiorrespiratório promovem a mobilização e redistribuição de linfócitos efetores, mediadas por catecolaminas. A contração muscular, por si só, é responsável pelo aumento transitório dos níveis de IL-6, de maneira proporcional à duração da atividade física e a quantidade de massa muscular recrutada. O aumento dos níveis dessa citocina parece aumentar os níveis de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10, liberadas pelas células da imunidade inata. A IL-10 também está associada com o aumento da sensibilidade à insulina e o metabolismo glicêmico.

Saiba mais: Exercício físico em meio à pandemia do coronavírus

A prática do exercício físico leva à redução da concentração de adipocina pró-inflamatória e aumenta a sensibilidade à leptina e insulina. Porém, há controvérsias quanto as práticas físicas de prolongada (> 2 horas e/ou > 80% do consumo máximo de oxigênio) ou alta intensidade (especialmente de forma não habitual) sem descanso apropriado com prejuízo da imunidade celular, com possível maior propensão às doenças infecciosas devido a redução da expressão de Toll-like receptors (TLR) com consequente supressão da resposta via T helper tipo 1 (Th1), redução da quimiotaxia de neutrófilos, redução da produção de imunoglobulinas, liberação de IL-4 e IL-10, e ao aumento de TGF-β.

Frente a Covid-19, ainda há dados limitados de como o exercício físico pode auxiliar na resposta imune ao novo coronavírus. Porém, observa-se, por exemplo, que pacientes diabéticos com adequado controle glicêmico e infectados com SARS-CoV-2 apresentam melhor prognóstico na Covid-19. Sugere-se também que os benefício anti-inflamatórios, antioxidante e a inibição da ativação endotelial proporcionados pela atividade física está ligada à redução da hipercoagulabilidade associada a essa doença.

Destaca-se que algumas das medidas necessárias durante o lockdown instituído em muitos países foi o fechamento de clubes, ginásios e estúdios de prática esportiva. Consequentemente, é fato que o isolamento social levou a alteração de comportamentos e em mudanças psicológicas e fisiológicas, incluindo o aumento da prevalência de ansiedade, depressão, alcoolismo, tabagismo, sedentarismo e distúrbios alimentares como hiperfagia e alimentação compulsiva. Tais alterações resultaram em consequências negativas para a população em geral, com possíveis problemas para a Saúde Pública a longo prazo, como o ganho ponderal, aumento do tecido adiposo, hiperglicemia, resistência insulínica e perda de tecido muscular. Adicionalmente, esse contexto favorece maior susceptibilidade a eventos estressantes e elevação de glicocorticoides (cortisol), com consequente inibição das funções de células NK e linfócitos TCD8+.

Mensagem final

Portanto, o exercício físico moderado e regular deve ser especialmente estimulado durante os confinamentos como medida para a prevenção de doenças metabólicas, físicas e/ou psicológicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que indivíduos assintomáticos saudáveis pratiquem exercícios físicos de moderada intensidade, no mínimo, 150 minutos por semana (adultos) ou 300 minutos por semana para crianças e adolescentes, distribuídos por 3-4 vezes na semana. Tais práticas devem incluir exercícios aeróbicos e de força, indoors ou outdoors seguindo as regras governamentais locais. E orienta que a atividade física deve ser interrompida ao início de algum sintoma como febre, dispneia e tosse seca, com consulta a profissional de saúde capacitado.

Aspectos adicionais sobre a prática de exercício físico e Covid-19 estão descritos nas referências abaixo.

Autor(a):

Rafael Duarte

Rafael Duarte

M.D., PhD. ⦁ Médico ⦁ Microbiólogo ⦁ Professor Associado / Lab. Micobactérias, Depto. Microbiologia Médica, Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas:

  • Bhatia RT, Marwaha S, Malhotra A, Iqbal Z, Hughes C, Börjesson M, Niebauer J, Pelliccia A, Schmied C, Serratosa L, Papadakis M, Sharma S. Exercise in the Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus-2 (SARS-CoV-2) era: A Question and Answer session with the experts Endorsed by the section of Sports Cardiology & Exercise of the European Association of Preventive Cardiology (EAPC). Eur J Prev Cardiol. 2020 Aug;27(12):1242-1251.
  • Brawner CA, Ehrman JK, Bole S, Kerrigan DJ, Parikh SS, Lewis BK, Gindi RM, Keteyian C, Abdul-Nour K, Keteyian SJ, Maximal Exercise Capacity is Inversely Related to Hospitalization Secondary to Coronavirus Disease 2019, Mayo Clinic Proceedings (2020), doi: org/10.1016/j.mayocp.2020.10.003.
  • da Silveira MP, da Silva Fagundes KK, Bizuti MR, Starck É, Rossi RC, de Resende E Silva DT. Physical exercise as a tool to help the immune system against Covid-19: an integrative review of the current literature. Clin Exp Med. 2020 Jul 29:1–14.
  • Fallon K. Exercise in the time of Covid-19. Aust J Gen Pract. 2020 Apr 22;49.
  • Heffernan KS, Jae SY. Exercise as medicine for Covid-19: An ACE in the hole? Med Hypotheses. 2020 Sep;142:109835.
  • Leandro CG, Ferreira E Silva WT, Lima-Silva AE. Covid-19 and Exercise-Induced Immunomodulation. Neuroimmunomodulation. 2020;27(1):75-78.
  • Xu Z, Chen Y, Yu D, Mao D, Wang T, Feng D, Li T, Yan S, Yu Y. The effects of exercise on Covid-19 therapeutics: A protocol for systematic review and meta-analysis. Medicine (Baltimore). 2020 Sep 18;99(38):e22345.
  • Yeo TJ. Sport and exercise during and beyond the Covid-19 pandemic. Eur J Prev Cardiol. 2020 Aug;27(12):1239-1241.
Comentários