Maracanã, 70 anos: mais que um estádio!

O Maracanã é uma entidade. Tem espírito, energia própria. Nenhuma outra praça esportiva traduz melhor a alma de uma cidade e de um povo.

“No Maracanã, este monstro de areia, ferro, pedra e cimento, está a alma do futebol” (Oduvaldo Cozzi, locutor esportivo).

O Maracanã, este imponente senhor que hoje completa 70 anos de vida, não é apenas um estádio de futebol, um colosso de cimento e ferro. O Estádio Jornalista Mário Filho corrompe a lógica do ser inanimado. O Maracanã é uma entidade. Tem espírito, energia própria. Nenhuma outra praça esportiva traduz melhor a alma de uma cidade e de um povo. O Rio é bondinho, é Cristo, é a baía da Guanabara e é Maracanã.

Erguido para receber a Copa do Mundo de 1950, o Maracanã tinha um objetivo simbólico maior: apresentar ao mundo um novo Brasil, que estava pronto para deixar de ser aquele país idílico e bucólico dos filmes de Carmen Miranda e se pretendia uma nação moderna, urbana e ousada. A construção do estádio sofreu de mazelas nacionais como a burocracia e, bem ao nosso estilo, ele foi inaugurado sem estar pronto.

Rapidamente o Maracanã se incorporou ao estilo de vida do carioca. Ir ao Maracanã faz parte de um ritual como ir à praia. A ideia do Maracanã para quem não é do Rio compõe o imaginário da Cidade Maravilhosa. Algo mágico. Um Rio de sonhos que não existe mais, que deixou de ser Distrito Federal, mas segue sendo referência cultural.

Para quem mora longe do mar, ir à praia é um evento que exige planejamento, programação. Para o carioca, é vestir sunga, biquíni e ser feliz. “Te vejo depois da praia e antes do Maracanã”.

+ Veja a especial sobre os 70 anos do Maracanã

Maracanã, no Rio de Janeiro — Foto: André Durão

Maracanã, no Rio de Janeiro — Foto: André Durão

A versão do Maracanã que habita minha memória foi construída pelas imagens do Canal 100 no cinema, embaladas pela mágica trilha sonora de “Na Cadência do Samba”, de Luiz Bandeira. Quando vi o estádio pela primeira vez, em 1977, uma caixa de som imaginária reproduziu aquela melodia. Naquelas imagens geralmente em preto e branco do cinejornal o futebol era sempre perfeito; os craques; irrepreensíveis; as jogadas, mirabolantes. O palco surgia imponente com a plateia escancarada em closes de pura emoção.

O tempo e as reformas mudaram a cara do Maracanã. Mas embora as plásticas tenham alterado o rosto, a alma está preservada. Para mim, o Maracanã clássico é o da baliza com rede véu de noiva, arquibancada, cadeiras azuis e a geral. Até nessa divisão, digamos, social, o Maraca é a cara do Brasil.

As cadeiras perpétuas, os milhares que entram sem pagar, o relativo conforto e segurança das numeradas, a sinceridade do geraldino e a democracia das arquibancadas, que uniam zona Norte, zona Sul e subúrbio. As curvas reservadas para cada torcida nos clássicos. A imagem da multidão saindo dos vagões de trens de subúrbio, cores e bandeiras misturadas em respeito ao terreno sagrado em que entrariam.

A irresponsabilidade que fez o Maracanã ser inaugurado com andaimes de madeira escorando a marquise e sendo ocupados por torcedores se repetiu em tragédias como a da final do Brasileiro de 1992. De novo: o estádio é a personificação da engenharia para uma representação teatral do Brasil, com seus méritos e deméritos, erros e acertos.

Para quem professa a fé no futebol, ir ao Maracanã é como entrar na Catedral de Notre Dame, na grande Mesquita de Al Haram, visitar o Monte do Templo em Jerusalém, o Templo de Salt Lake City, o Borobudur, na Indonésia.

Mas o Maraca também é o estádio da chegada do Papai Noel, o teatro que o voleibol ousou invadir e lotar numa vitória contra a União Soviética. O carrasco uruguaio Ghiggia dizia que apenas três pessoas calaram o Maracanã: ele em 50, Frank Sinatra e o papa João Paulo II.

O Maracanã viu duas Copas serem decididas. Não duas finais, como muitos afirmam, tecnicamente equivocados, porque o Mundial de 50 não teve final em seu regulamento. Viu uma abertura e um encerramento de Olimpíada, um Pan.

Palco de recitais dos maiores jogadores da história do futebol, o Maraca estendeu seu tapete verde para o milésimo gol do Rei Pelé. É a casa da seleção brasileira e, talvez por isso, tenha sido poupado do 7 a 1 pelos deuses da bola. Tem em Zico seu maior artilheiro e jogador emblemático, em Léo Júnior seu frequentador mais assíduo. Lotou para reverenciar Marta e cia. no Pan de 2007.

Entre muitas catedrais do futebol mundial eu separo três: Maracanã, Wembley e Azteca. Wembley com uma história parecida com a do Maracanã, com a alma sobrevivendo às plásticas. O Azteca coroou Pelé e Maradona em duas finais de Copa (único estádio até hoje a efetivamente receber duas finais de Mundiais de futebol).

Mas o templo absoluto do futebol é o Maracanã. O único estádio que inspira e expira a alma de uma gente, seu espírito, seu modo de vida. Não é pura poesia que Mário Filho, o jornalista que dá nome ao estádio, tenha sido o idealizador dos desfiles competitivos de escolas de samba?

O Maracanã é bossa-nova, é Rio Branco e Sapucaí, é Copacabana, Ipanema. O Maracanã é mais que um estádio. O Maracanã é a praia de cimento do Rio.

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